Creio que todos vocês assistitam Kill Bill. Pois devem então se lembrar do Volume 2, nos momentos finais da protagonista com o peronagem título, quando este faz um discurso sobre o porque do herói favorito dele ser o Super-Homem.
A idéia que vem por trás do discurso é que todo herói possui uma identidade secreta: Batman é Bruce Wayne (um cara podre de rico, mimado e órfão), o Homem-Aranha é Peter Parker (o nerd bobão apaixonado pela vizinha) mas no caso do Super-Homem, é diferente... pois Clark Kent não é apenas uma identidade secreta. Isto porque o Batman ou o Homem-Aranha, quando acordam cedo pela manhã são, de fato, Bruce Wayne ou Peter Parker, mas o Super-Homem é o Super-Homem... Clark Kent é o disfarce dele para que o mundo não saiba de seus poderes.
O que eu também descobri (Deus salve o Google!) é que o diálogo redigido por Quentin Tarantino foi 99% inspirado por uma tese escrita por um tal
Jules Feiffer em seu livro "
The Great Comic Book Heroes", publicado em 1965. A bela sacada de Feiffer é exatamente esta: não era Clark Kent quem usava o uniforme de Super-Homem, e sim o super-herói quem se fantasiava sob os trajes de um jornalista tímido e medroso. Ou seja, o fato aqui é que, para o autor, Kent existia não para os propósitos da história, mas para o leitor. Ele é, então, a opinião do Super-Homem de todos nós. Uma suposta visão crítica que o herói teria sobre a raça humana (se bem que eu duvido sinceramente que esse baluarte da América fosse capaz de ter um olhar tão cínico a nosso respeito, por mais verdadeiro que possa ser).
Ora ora ora.... e se isso não faz a gente pensar, o que faria? Afinal, quem é você quando você acorda pela manhã: Super-Homem ou Clark Kent? Quem é você com sua família? Quem é você para os seus amigos? Quem vai ao trabalho? Quem pega o ônibus, a carona, o metrô, o carro importado? Quem é você pro amor da sua vida? Quem é você tomando banho? Que disfarces que você inventa, e quantos deles, todos os dias, pra no fundo, unicamente, proteger a sua identidade secreta?
Custa-me crer que eu seja a única maluca a pensar nisso... e eu sei que não sou! No fim das contas, a conclusão que tenho é que, sempre, no matter what, a pessoa capaz de diferenciar o herói do humano é a própria pessoa. E que criamos nossos personagens, vestimos nossos uniformes e saímos por aí, enganando os outros, nos enganando, trocando de máscaras, com as cuecas por cima das calças. E que loucura! Quanta insanidade!
Mas confesso: não sou capaz de ser eu mesma o tempo todo, nem para todos. E mais... tem dias que escoro a cabeça no travesseiro e repito pra mim mesma, antes de adormecer, os feitos brilhantes da heroína que habita dentro de mim. Tento me convencer de como ela é forte e poderosa e de como salvou o mundo nas últimas horas. Quase sempre isso funciona. Exceto quando acordo de um sonho ruim e sinto medo. Talvez seja medo de que descubram as minhas vidas paralelas em mundos ilusórios, talvez uma vontade gigantesca de que alguém encontre minha identidade secreta.
Afinal, a identidade secreta (se é que ela existe mesmo) não é uma visão muito bonita: ela tem cabelos rebeldes, assoa o nariz fazendo barulho, chora em filme infantil, muda de humor com o passar das horas, come pipoca doce (daquelas vermelhas) lambendo o dedo no final, usa conjunto de moletom cinza e meia branca de algodão meio suja por baixo, lê só os quadrinhos no jornal, faz corpo mole no trabalho e ri de canto de boca. Ela é uma mulher assustada e carente, que sonha com um casamento perfeito, um casal de filhos e um gato chamado Amônio. Ela escreve poemas, escuta baladas velhas e roe as unhas. Às vezes ela escreve estes textos, às vezes ela apena os revisa, edita, censura. E fica sondando, zombando, girando, questionando. Mas sempre com um aviso luminoso em neon piscante: esconderijo secreto, aqui!
E será que tenho mesmo certeza absoluta de que esta seja a identidade secreta e não a heroína? Será que isso tudo é verdade ou eu estou apenas compondo um personagem pra esse texto? Quem conhece Janis? Sob que aspectos? Sob que ângulos? Quem passa e engoma o uniforme cor-de-rosa todos os dias? E quem o usa?