Faça-me o Favor!

Não nos responsabilizamos por mudanças súbidas de humor ou apetite, ofenças pessoais ou sentimentos inibidos que aflorem de quem por descuido venha a ler isso aqui. Queremos que tudo se exploda e não queremos explodir juntos. Não estamos aqui para sermos atacados, somos nos que atacamos. Ficamos em cima do muro mesmo, atirando pedra em quem passar em baixo, independente do lado.

quinta-feira, julho 05, 2007

Um toque

Hoje me caiu um disco na mão que eu ouvi com inigualável deleite por me remeter a uma das ocasiões mais marcantes da minha curta existência.
Nunca fui um músico de verdade. Jamais passei de curioso. Como comecei aprender a tocar muito criança, isso ajudou a motricidade e a memória. Mas não muito mais do que isso.
Fato é que eu sempre tentei tocar as coisas e nunca ia muito longe. Óbvio. E eu comecei a tocar música caipira. Tião Carreiro mesmo. Aprendi a tocar e cantar com meu avô. Mas apesar dos meus avanços, razoáveis pra um garoto de oito anos, meu avô sempre insistia que eu deveria me empertigar mais nos estudos e tocar violão clássico. Coisa pesada mesmo. Estudar pra valer. Tocar “por música” e não “de ouvido”, ler partitura e tudo o mais.
Mas minha família não tinha recursos para tanto e eu jamais pude estudar. Mesmo assim, o velho insistia.
Bem, e chegou a adolescência e claro, como os convivas me conhecem, veio o rock'n'roll, guitarras, gritaria e letras em inglês. Apesar do desgosto, o velhinho nunca me desestimulou. Ao contrário, ele dizia que eu não deveria jamais deixar de treinar. Mas ele advertia, “Toca o violão. Essa guitarra aí só funciona com banda e nem sempre tem gente pra tocar que te acompanhe, ou que faça de acôrdo, direitinho... estuda o violão e só mexe com guitarra quando os amigo aparecê”. Não fazia isso sempre, mas sempre tinha isso comigo na cabeça. Mas um dia, ele tomou uma providência.
O velhinho tinha uma barraca de caldo de cana na feira. Eu trabalhei muito com ele, mas acabei ganhando minha guitarra numa aposta com meu pai. Isso é outra história, mas ela me fez passar muito tempo pendurado na velha vitrola fazendo cada trechinho da música voltar pra eu conseguir pegar. E peguei.
O velho sacou que ali era a chave. Saiu pra comprar umas peças pro engenho e demorou mais que de costume.
Ele chegou em casa com um LP com uma capa amarela com um violão e uma rosa. Dilermando Reis, o músico. Abismo de Rosas, o disco. E esse foi o meu sentimento naquele momento, de um completo abismo entre o que eu fazia e o que achava o máximo e o que realmente era algo muito, mas muito acima das minhas expectativas quanto às possibilidades do instrumento.
Ele não deixou a peteca cair e mandou, “Toca isso aí. Não vou fazer aposta nenhuma por que você e nem eu precisamos disso. Eu não posso mais te ensinar nada. Você já toca mais do que eu. E se você quer ficar bom na viola, toca com quem toca mais que você. Um dia você vai ver que isso vale pra tudo na vida. Por enquanto, faz uma dessas aí que eu já vou ficar muito contente.”
Precisei de quase dez anos pra conseguir tocar umas três ou quatro músicas decentemente. Mas jamais desisti de tocar. Fiz o melhor que conseguia e me frustrava demais por não conseguir uma interpretação mais profunda das músicas. Não fazia diferença pro velho. Pra ele, ele tinha conseguido o que queria quando ouviu a faixa título do disco tocada por mim. E é uma das maiores alegrias que eu tenho na minha vida, pelo meu avô e por não me sentir mais um músico ridículo, só comum.
Faz algum tempo que eu não toco mais violão. Hoje sou baixista. Muito melhor baixista do que guitarrista segundo bons violeiros com quem toquei ultimamente. Mas seu eu virei alguma coisa, é por causa desse conselho do meu velhinho: se você quer ser bom em alguma coisa, toca com quem toca mais que você!
Ah, ia esquecendo... o disco. Pega no link...
http://www.badongo.com/file/3658705

5 Comentários:

  • Às 10:01 PM , Blogger Puta Véia disse...

    Ultimamente tenho tido gosto de ler o que tem surgido aqui... me faz entender o porque também tenho achado que meus textos estão melhorando.

     
  • Às 1:29 AM , Blogger Burocrata disse...

    Mas que Puta mais convencida!
    Vou baixar o disco e ouvir, to precisando vortá pras raíz um bucadim!

     
  • Às 8:56 AM , Anonymous Anônimo disse...

    Sábio conselho!!! Ouvi coisa parecida da minha mãe na época de escola... ela dizia que eu deveria andar com amiguinhos que fossem melhor alunos do que eu. Aquilo era a morte pra alguém que se julgava a melhor aluna e que, acima dela, "melhores" eram aqueles CDFs que mal articulavam palavras e tinham vidas sociais nulas. Eu queria ser popular, não queria ter amigos nerds!!! Mas quer saber? Minha mãe tinha razão!!!

    E embora algumas vezes seja uma bela massagem pro ego conversar com os convivas menos abastados intelectualmente, a vida me ensinou que muito melhor é ter por perto gente que eu admiro de verdade e admiro justamente por saber que nunca serei tão boa como eles. Pra vc, Armless, o violão; pra mim, os livros. Você pode tocar o quanto for uma música e não chegar à perfeição do outro e eu (tantas vezes) leio uma porção de coisas que até compreendo mas não consigo sacar perfeitamente ou automaticamente como alguns.

    Seja lá como for, ao menos escutamos os conselhos dos velhos e tiramos disso nossa toada pro dia a dia. E posso estar redondamente enganada, mas acredito que algumas noites sozinho ou em modorrentas tardes de domingo vc ainda se pega tentanto tocar a mesma música, escondido, só de leve, e depois de algumas tentativas, na certeza de que fez o seu melhor, abre um sorriso, lembra do avô e de todas as sensações envolvidas na história, e deixa o instrumento de lado, sem qualquer dor.

     
  • Às 3:05 PM , Anonymous Anônimo disse...

    Infelizmente, não consigo mais tocar essas ´músicas. E se tentasse com afinco, teria que dedicar mais muitas horas que não sei se quero fazer com isso. Na realidade, pra mim, ouvir é um deleite. Tentar chegar perto do violão é uma tortura. Nesse exato momento estava com o baixo no colo na frente da TV, refletindo o quanto não toco porra nenhuma. Puro foco. Me voltei pra outras coisas. E pra ser bom em alguma coisa, significa ser medíocre em outras tantas. Aí, pensando nas escolhas, me acalmo. Não toco como gostaria. Mas me viro bem em outras coisas. Entender as escolhas que se faz é encontrar paz de espírito.

     
  • Às 3:32 PM , Blogger Burocrata disse...

    Nossa, quantas vezes já fiquei sentado na frente da tv com a guitarra na mao, só fazendo barulhos toscos, porque na verdade estava vendo tv...
    E vc tem razao Armless, é tudo uma questao de foco derivado das escolhas, e como eu escolhi fazer varias coisas bem, faco todas mediocremente!

     

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