Teve uma época que eu achava puta legal a idéia de ser o rockstar. Eu não tinha crítica. Pensamos no clip, na farra, mulheres, drogas e muita grana. Deve ser um inferno. Não há privacidade, você não sabe quem é ninguém, todo mundo sabe quem é você e dependendo do tipo de música que você faz, seus fãs ultrapassam os limites da selvageria. Enfim. Tudo isso rapidamente ficou claro lá pelos dezesseis anos depois de meia dúzia de ensaios que ficaram empacados em uma única música, lá com a primeira bandinha. Depois do ensaio, no bar, um dos caras manda algo como "A gente ficou puto, imagina o Keith Richards que toca Satisfaction 300 vezes por ano há 40 anos!!!"... seguido pelo infalível "Pode crer" coletivo.
Sem novidade. Todos atinamos pra isso.
Esses dias porém me deu uma puta aversão de ouvir música, ou de ouvir a maior parte das músicas que geralmente eu ouço. Tudo me aborreceu. E isso teve um start num momento muito claro. Foi uma convergência, mas foi interessante. Aproveitem pra rir.
Por um motivo que não vem ao caso, fui com meu comparsa de costume tomar uma birita na noite e caímos num boteco onde se tocava Moda de Viola. Eu adoro Tião Carreiro e os caipiras mais antigos. Como eu e o Tequila cantamos uma dúzia de modas há algum tempo, pensamos em bater um papo com o dono e tocar no boteco: sem esperanças, já que a maior parte do pessoal toca as coisas mais recentes, que pra mim, passam longe da música caipira. Mas vá lá.
Just for fun e algumas brejas num meio de semana, geralmente morto.
Lá fomos e tocamos das antigas. Deu certo. Ganhamos quase três vezes mais do que costumeiramente ganhamos com Doors e Pink Floyd. No final, o dono perguntou se a gente tocava Trio Parada Dura (do qual também sou muito fã - principalmente por ter a segunda voz mais encrencada do oeste!) e eu disse que sim, apesar de não. Mas eu ensinava o comparsa e tudo daria certo.
Lá fui eu procurar uma ou outra moda dos caras e caí no youtube. Pois não que estão de novo na ativa? E com direito a ter
Telefone Mudo de volta às paradas. Muitas duplas novas e uma despontando... pois aí foi o mal feito. Uma dessas duplas novas tem milhões de ocorrências no youtube. Coloquei o nome dos caras e foi uma avalanche. Dia tal tocaram em não sei onde, no dia seguinte, duzentos km adiante, no outro dia mais não sei quantos km de viagem em outro lugar, no outro dia, dois shows. E é claro que no youtube tinha a
mesma música em todas essas ocorrências. Até aí, sabemos como é... mas...
Numa dessas tinha uma entrevista dos caras no programa do Jô Soares. Simpáticos, solícitos, uma ou outra piadinha. Mais adiante no youtube, eles na mesma semana no Serginho Groisman. A mesma simpatia, a mesma solicitude, e as mesmas piadas. Uns dias depois, os caras no Faustão, na Hebe, no Raul Gil e em mais uma dúzia de programas. A mesma música e as piadas. Num desses programas, não por acaso o mais antigo de todos, eles mostravam muito mais entusiasmo e vontade de cair na estrada. No programa mais recente, lançando o disco novo, o script.
Isso em deu uma sensação de opressão absurda, principalmente depois que eu extrapolei pra todo o espectro da música que eu ouço regularmente. Onde todos os caras conhecidos foram parar? Quantas anedotas não existem sobre momentos em que os caras se encheram daquilo e despirocaram, com drogas, com projetos paralelos e até caindo fora do meio artístico!!! Como se reinventar nesse meio? Afinal de contas, muitos deles foram/são músicos criativos e produtivos, mas passavam a maior parte do tempo só reproduzindo. Como não expresar a criatividade quando sé é criativo? Como suprimir a criatividade em prol da mesmice? Concordo que deve ter muito pangaré que deve estar pensando em tudo, menos em música. Mas e os caras que realmente sempre pensaram em arte? Como manter a coisa no status de arte - sendo
arte exclusivamente como forma de manifestação - sem se perder no torvelinho das obrigações contratuais e da repetição de scripts? Quantos causos me vieram à mente!!!
Os Beatles não conseguiam tocar ao vivo por causa da histeria. Foram parar
no topo de um prédio. O Hendrix se encheu de fazer o de sempre e
surtou num programa da BBC, parando no meio "o de sempre", o Tony Iommi fazendo cara feia pro Ozzy quando este, já muito desafinado
abandonava a letra de Paranoid, tantos caras que largaram bandas estourando pra ir fazer outras coisas, tentar projetos novos, amargando o ostracismo, não por falta de qualidade. Tantos exemplos. E eles estão envelhecendo e começando a contar as histórias daqueles tempos,
mezzo reminiscência,
mezzo justificativa. Achei que de certa forma isso escancarava a loucura da droga pra agüentar o tranco e até - por que não - ser um reforço do que era que se queria quando se começou aquilo. Mas onde desandou?
Comecei, em pânico, a procurar nos discos esse momento. E em tantas bandas é tão claro!!! E olhando retrospectivamente, conhecendo a história das bandas, dá pra perceber quantas delas sequer tiveram um momento de sinceridade. Anos setenta viu a reação punk. Vendida. Anos oitenta percebeu que valia a pena fazer música dolosa - pra vender mesmo - e seguindo a trilha dos "vitoriosos" (sobreviventes?), fizeram escola. Anos noventa com nova reação, rápido e devidamente empacotado para consumo, não sem trocar o sucesso por alguns suicídios aqui e acolá, apareceram alguns. Novo milênio, internet, antigos se reunindo pra levantar um grana, novos morrendo na praia e entupindo o MySpace. Onde foi parar a arte? Onde foi parar a espontaneidade? Meu amigo Schumacher me convidou pra irmos em alguns shows esse ano e não tive a menor vontade de ir em um sequer. É como ver um trabalhador na linha de produção. Quem não está assim? Os movimentos no palco, a careta na hora do solo... tudo no script.
Voltei a ouvir as coisas desconhecidas, as esquecidas e os degredados. Alguns tiveram coragem de não aceitar convites dos Stones pra poder criar em paz e não usar cabresto e passaram a vida
tocando em botecos, mesmo que tenham muitas vezes tenham sido
headliners em
lugares de gabarito.
Sei lá... passei a ter mais admiração e respeito pelos caras que saíram de bandas e desencanaram. Passei a gostar mais das coisas genuínas. Ouvi
Stooges de outra forma, Dust, antes de ser o core dos Ramones, e senti pena de ver caras bons presos na bola de ferro anos depois!!! Ou caras que gostam do que fazem, gostavam dos sons, mas
devem seguir certos scripts pra se reerguer, ou tendo que
chamar amigos vendidos pra dar uma mão. Me deprimiu e me fez rever muito do que sempre gostei e de como encaro a coisa toda. É foda agüentar o tranco. É foda estar lá e não dançar conforme a música.
Enfim... como os convivas vêm isso? Será que os que caíram fora só foram trouxas ou fracotes, ou de fato eles tiveram peito de largar aquilo que pra maioria é o nirvana e pra eles era o inferno?
De cá, ainda contemplo. E não sei se chegamos a algum lugar. Mas me ocorreu. E de novo me manda pros recônditos da internet em busca de coisas interessantes,
mesmo que sejam poeirentas, ou que
fizeram outros arrotarem o
que não era deles, desde que
sejam autênticas (ou ao
menos pareçam).