Já faz um bom tempo que venho tentando gravar umas músicas que estavam encalacradas aqui comigo. Somando ao fato de que eu estou bem de saco cheio de ficar tocando covers por aí – ou pelo menos os mesmo de sempre – achei que era hora de dar vazão a muito do que vinha incubando. As coisas saíram. Um software aqui, uma cabo e um adaptador ali. Uns retoques e saiu o rebento. Legal. Passei pro meu guitarrista e ele foi dar os acertos dele. Faz um ano que o negócio está parado. Só frustração. A prioridade era minha e não dele.
Me meti então a rever minhas velhas canções, do tempo que eu era guitarrista e tinha aspirações. Foi engraçadíssimo. Lembranças e mais lembranças brotaram. Amigos de bar, amigos de choradeira, amigos de viola, amigos de puteiro. Onde estão todos eles? e me dei conta de que alguns caminham nos seus mundos, à sua maneira. Mas nenhum de nós está mais lá naquelas fitas. Mas alguns permanecem. E esses, andam em maus lençóis com suas vidas - não acham. Não há nada de errado em se manter velho hábitos. Não há nada de errado em se querer coisas que não podíamos antes. Mas achar que tudo vai ser como sempre, é fazer força demais pra manter constante algo que é fluido e mutável na sua essência – o mundo. Já notou como o as pessoas fazem uma força enorme pra manter as coisas como elas são? Esses dias eu dava um passeio pela faculdade e pensando nos quase dez anos que faz que a gente entrou lá, me peguei revoltado com o tanto que as coisas são iguais. As festas, os comentários, os hábitos, tudo. Uma pintura aqui e ali, algumas maquiagens, mas em essência, tudo igual. Não fui na festa dos bixos, mas me disseram que foi tudo igual. O saudosismo hipócrita. Uma vida que não foi a sua escolha primeira te esvai as forças, e pra manter algum vínculo com o que se identifica como tendo sido bom, são sacrificados o ânimo, a criatividade e a vitalidade. O pessoal se estapeia pelo único livro em português da biblioteca, mas não aprende inglês. O pessoal compra um windows pirata cheio de buraco por onde zeram sua conta, mas não são capazes de aprender a usar um linux que hoje já é quase a mesma coisa. Se entope de droga mirabolante pra tudo quanto é coisa, mas não tenta saber por que todas essas coisas acontecem. Não tem tempo? Balela. Tempo pra ficar de ressaca, fazer correria pra comprar bagulho, fazer conta pra medir o rombo do cartão de crédito, ou pra fazer um rombo novo, isso sempre se arranja. E o treinamento pra usar um equipamento novo no trabalho, se faz fila pra ver quem não vai ter que passar por isso. A preguiça move o mundo. Ainda bem, senão o pessoal de acessoria científica ficava sem trabalho... imagina, se todo mundo lesse o manual? Há milhares de livros muito bons, mas o pessoal prefere pagar alguém pra falar e ainda reclama que é chato ver aula. Se vai a um novo bar, é por que é igual àquele outro antigo. Se come uma carne diferente é por que “parece” com frango. Se experimenta uma droga, é por que é igual a sei-lá-o-quê, mas com menos efeito colateral. É absolutamente natural tudo isso, já que o nosso sistema nervoso se esforça demais pra procurar padrões e segui-los. Humanos inseguros, medrosos. Têm medo de parecerem ridículos. Têm medo de errar. Têm medo de não conseguir. Preferem ficar onde estão, que funcionou e funciona muito bem. Se não se pensar à respeito.
Meia dúzia de visionários fez algumas coisas pra melhorar o mundo em que viviam. Os que não foram assassinados morreram loucos, e só recentemente alguns ficaram ricos com isso. Ainda assim, me pergunto por que há tanto medo do novo? O máximo pra mim é me conformar que, de longe, as pessoas não querem mudanças.
Tenho uma caixa de sapato cheia de fitas k7 com uma porrada de material de muitos anos. Há coisas comicamente ingênuas. Letras, arranjos, a voz de criança ainda. No final das contas isso é um puta documento histórico da evolução do seu trabalho, do trabalho que te é muito caro!!! Eles são genuinamente fruto da sua criatividade. Vai e dá o final merecido pra eles. Escolha as melhores canções, as melhores letras ou mesmo as que você mais gosta. Ajuste a rima, a grafia ou a pronúncia. Dá uma encorpada no arranjo, se mete num estúdio e acabe com essas almas penadas. Pague seu tributo ao passado, e enterra ele lá. Durante o processo, vai perceber que sua criatividade jamais se esvaiu de você; vai perceber quanto está mais maduro artisticamente e principalmente vai ver que você não está vazio. Está desanimado e talvez decepcionado com sua falta de perseverança em dar continuidade a todos os projetos que um dia teve. Hoje você não se vê mais como um rockstar. Mas será que queria mesmo sê-lo? Quanto tudo aquilo não era uma ilusão? Acho que hoje não vamos mais num show pra se ligar só no set list. Nos ligamos sim na produção, na performance. Lembrando que o cara faz 300 shows no ano e que deve ser foda passagens de som, cada dia acordar em um lugar e nunca poder ir dormir e acordar na hora que quer. Será que valia a pena sacrificar o "sonho da banda" com o trabalho "ser músico"? Quanto dessa decepção não é o mundo que se descortina? De certa forma, e entender que o Papai Noel não existe, essa é uma puta metáfora. Viva a crítica. Viva a dor. Viva a solidão... é isso que nos faz ir a fundo mesmo. Não lidar com superficialidades do trivial e do prosaico.
As músicas??? Foi relâmpago, mas elucidativo. Havia muitas coisas legais. Estou juntando uma graninha pra ir num estúdio e gravar decentemente tudo aquilo. Vou mostrar pra uns amigos, ouvir de vez em quando, espalhar na rede. Quem sabe alguém ouve e acha que vale a pena? Revisite sua obra. Conclua sua obra. E veja o quanto você é melhor hoje, por causa da crítica, por causa das dores, tristezas e principalmente pela alegria insuperável de ver mais e mais longe.