Faça-me o Favor!

Não nos responsabilizamos por mudanças súbidas de humor ou apetite, ofenças pessoais ou sentimentos inibidos que aflorem de quem por descuido venha a ler isso aqui. Queremos que tudo se exploda e não queremos explodir juntos. Não estamos aqui para sermos atacados, somos nos que atacamos. Ficamos em cima do muro mesmo, atirando pedra em quem passar em baixo, independente do lado.

segunda-feira, abril 28, 2008

Cortando os pulsos - Respeito

A série trata de dois livros que finalmente consegui encontrar (já que estão esgotados no Brasil - por que será?). Estou nos finalmente do segundo volume, o qual me devia a leitura na íntegra há tempos. Chama-se Liberdade Sem Excesso, de A.S. Neill. É onde ele responde perguntas de pais em pânico que leram sua obra anterior, Liberdade Sem Medo.
Esse sujeito foi o praticante radical de uma linha da pedagogia/educação baseada na satisfação pessoal. Sua obra é desconcertante, por bem sucedida no anticonvencionalismo que sempre pregou - e levou a cabo na sua escola, que dá nome ao livro, Summerhill; e pela coragem.
Pra quem só ouviu falar em liberdade, vomita frases feitas ou simplesmente não tem coragem de ser livre, a leitura vale pra cortar os pulsos, tomar alguma coragem ou pelo menos ser um pai ou uma mãe dignos.
Vai o primeiro trecho da série, tirado de Liberdade Sem Excesso.

"Como se deve ensinar uma criança a respeitar os pais?

Mas, afinal, que significa a palavra respeito? Penso que o ingrediente principal da palavra é medo, como no caso das crianças que respeitam professores severos. Meu dicionário diz que respeito é estima por mérito, honra, estimar altamente. Muito bem: se seus filhos não acham que você seja merecedor, ou digno de honrarias ou estima, que pode você fazer? Forçá-los a pensar que é uma grande pessoa?
Meus alunos não me respeitam. Jamais peço respeito. Hoje, uma meninazinha de dez anos chamou-me de tolo maluco. E daí? Era a opinião dela esta manhã e tinha direito de expô-la. Tal declaração não significa que a pequenina não me queira bem.
Há algo não desenvolvido nos pais que pedem respeito. Obviamente eles falharam no inspirar amor aos filhos, e, assim, exigem um substituto inferior. Pais realmente justos e sinceros para com os filhos não pedem respeito.
Como pode uma criança respeitar a mãe atormentadora ou o pai gritalhão? Como pode uma criança respeitar pais cujas mentiras ela ouve? Como pode uma criança respeitar a mãe que não ousa enfrentar um marido tirano?
Eu respeito Bertrand Russel por causa da sua filosofia, de seu humanitarismo, mas esse respeito não é eivado de medo ou inveja. Se o senhor quer ser respeitado pelos seus filhos, viva de forma que o respeito venha naturalmente – o que significa merecidamente – e não por que seu filho tema represália."

sábado, abril 26, 2008

Limpando o ambiente (ou, mudando de assunto)

Tempos atrás li uma entrevista com um escritor e jornalista português chamado Vasco Valente na qual ele afirma que passamos a vida tentando conter a tendência para a desordem. Se ficássemos passivos diante da vida, sem mexer um dedo para nada, um belo dia acordaríamos falidos, com a energia elétrica cortada e um monte de gente magoada a nossa volta. Conclui ele: "O que cada um de nós tenta fazer, cada um a sua maneira, é tentar conter o descalabro".

Acho a visão do cara meio apocalíptica - desordem, descalabro! -, mas, relativizando o exagero, é bem assim mesmo: passamos a vida tentando organizar o caos. Trabalhamos para ter dinheiro, respeitamos as leis, usamos o telefone pra manter laços com a família e procuramos amar uma única pessoa pra sossegar as aflições do coração, sempre tão inquieto. E mesmo fazendo tudo certo, e mesmo correndo contra o relógio e contribuindo para o bem-estar geral, às vezes dá tudo errado. É quando surge alguém não sei de onde, percebe o nosso stress e dá aquele conselho-curinga que serve pra todas as ocasiões: deixa rolar.

Na minha vida esse alguém, invariavelmente, é meu pai. Pra mim, o mais sábio dos homens, correto e honesto na sua simplicidade, o mais coerente e humano ser que já conheci. E por estarmos falando do meu herói maior, não há outra atitute a ser tomada se não escutar o conselho e procurar segui-lo.

A coisa é que, sempre que eu deixei rolar, não aconteceu nada. Nada de positivo e nada de negativo. Nada. De vez em quando eu até deixo rolar, mas só pra obter um breve momento de descanso em que parece que saí de férias da vida. É uma auto-hipnose: estou dormindo, não estou aqui, não estou vendo coisa alguma. Quando a desordem e o descalabro voltam a ameaçar, eu conto um, dois, três, estalo os dedos e a engrenagem volta a funcionar de novo.

Deixar rolar é um conselho que não consigo seguir por mais de uma tarde. Tenho esta mania estúpida de querer participar de tudo o que me acontece. Se eu me dei bem, a responsabilidade é minha, e se me dei mal, é minha também. Não entrego nada a Deus. Não uso nem serviço de motoboy!! Eu mesma respondo aos e-mails, atendo os telefonemas, eu mesma cobro, eu mesma pago. Delego pouco, e apenas pra gente em que confio às cegas. Nunca para este tal de destino, que não conheço.

Só entro em estado de passividade quando não depende mais de mim. E só deixo rolar aquilo que não me interessa. O problema é que tudo me interessa.

sexta-feira, abril 25, 2008

Lisbon Revisited - Álvaro de Campos

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

quarta-feira, abril 23, 2008

John que me desculpe, mas assim é a Janis...

Italiana demais pra ser budista, Pessoa demais pra ser Bucowski, rockeira demais pra ser sambista, Almodóvar demais pra ser Tarantino, Brasileira demais pra desistir, Monet demais pra ser Picasso.

Alérgica à pimenta-do-reino, eritromicina e auto-ajuda. Defensora dos frascos e comprimidos. Que tem medo de anão, freira e palhaço e não sabe andar de bicicleta nem assoviar. Eternamente na busca de quem não foge da realidade do soco. Ainda sofrendo a angústia das pequenas coisas ridículas e verificando, de forma sensata, a falta de par nisto tudo no mundo.

Apaixonada, intensa, não raras vezes dramática. Um coração batendo no mundo. Tentando ser racional e paciente (quando quer, quando importa). Interessada no que se faz interessante, embora sempre aberta a negociações. Preocupada (apenas) em viver intensamente seus enredos e colecionar histórias pra contar. Aos amigos, tudo. Aos outros, a lei.

De andar firme e voz alta. Uma vida inteira tentando corrigir os erros que foram cometidos na ânsia de acertar, mas agora, não mais alterada ou exaltada: perdoada. Sem medo das chuvas tempestivas ou das grandes ventanias soltas, certa em ser também o escuro da noite. O que importa, afinal, é saber que se está vivendo.

Compilação de frases soltass da Clarice: sou o que quero ser e pairo sobre o que não quero ser. A criança que eu fui chora na estrada. E porque há o direito ao grito, então eu grito. Caleidoscópica: dicotomia constante de uma incostância ímpar... e minhas desiquilibradas palavras são o luxo do meu silêncio.

(Copy/Paste do “about me” atual da minha página inicial no orkut. Tá lá pra quem quiser conferir...)

Não dava pra não postar!!! Levei algum tempo pra colocar tudo isso junto, tudo assim... como está. Ficou pronta em Janeiro deste ano e não mudei mais. É a melhor auto-descriçao que já cheguei a fazer e tenho orgulho dela. Orgulho da mulher que ela apresenta. Que conste nos autos que isso não é fruto de pouca busca ou toscos raciocínios.

E John... tá aí!!! Noves fora as coincidências e o plágio descarado (mas absolutamente necessário) da frase que abre a descrição, resta pouco a ser dito além de um "durma com este barulho".

Alfarrábios do John I - Momento Janis

Estou trocando de computador. E fuçando pastas e mais pastas de back-ups perdidos aqui e acolá, no clima de fuçação de alfarrábios, sem nostalgia ou saudosismo, aparecem algumas coisas interessantes. Algumas coisas vergonhosas. Muitas bobagens. Mas uns troços que fazem um instantâneo da nossa personalidade. Num autêntico momento Janis de tentar se descrever (e antes mesmo de conhecê-la, vejam só), um arroubo.
Malhe à vontade.

"Quo Vadis

Temperado... um decalque descolado do plano da realidade. Antes voando.
Estranhamento... que merda é essa onde a gente vive? Com frio vagando maltrapilho, em busca de verdade, assistindo desfiles garbosos do conforto mentiroso da Terra Devastada.
Juízo? Se foi com as viagens. Razão? Cada vez mais louco.

Hendrix demais pra ser Van Halen
Real demais para ser Van Gogh
Insolúvel demais pra ter Van´t Hoff
Lascado demais pra ser vantagem
Salgado demais pra ser vanilla
Lobo demais pra ser vampiro
Afinado demais pra ser vanguarda
Doido demais pra ser vaidoso
Tosco demais pra se vangloriar

Que a arte nos liberte das palavras. Que os olhos aprendam a ver outros olhos e almas escancaradas. A temperança só refiina a crueldade...

Crimson demais pra não ser Zappa
Beethoven demais pra ser Picasso
Churrasco demais pra apartamento
Italiano demais pra ser budista
Hume demais pra ser Kardec
Torto demais pra ser standard
Rusguento demais pra ser default
Demais... para quê? Nem sou daqui...

Já levei porrada na vida
Já saí fugido de Passárgada
Já caguei e sentei em cima
Já atirei a primeira pedra e por isso fui apedrejado

Mas ainda assim sou louco demais
pra não querer ser um pouco mais daquilo tudo que não sou
e me privar do sabor das experiências.
E se viesse com manual, seria em russo, chinês ou marciano...

Garçom, um Lá Maior bem-passado, com Darwin à milanesa e um porção mista de clérigos e políticos à Diderot... ah... um chopp Gibson!"

Circa 2003

sábado, abril 19, 2008

Elis Regina - Medley 1976

Tecnicamente perfeita e alma em cada palavra. For real!

sexta-feira, abril 18, 2008

El Remordimiento - Jorge Luis Borges

"He cometido el peor de los pecados
que un hombre puede cometer. No he sido
feliz. Que los glaciares del olvido
me arrastren y me pierdan, despiadados.

Mis padres me engendraron para el juego
arriesgado y hermoso de la vida,
para la tierra, el agua, el aire, el fuego.
Los defraudé. No fui feliz. Cumplida

no fue su joven voluntad. Mi mente
se aplicó a las simétricas porfías
del arte, que entreteje naderías.

Me legaron valor. No fui valiente.
No me abandona. Siempre está a mi lado
La sombra de haber sido un desdichado."

Jorge Luis Borges Acevedo nasceu em 1899 na cidade de Buenos Aires, capital da Argentina e faleceu em Genebra, no ano de 1986. Foi um escritor, poeta, tradutor, crítico e ensaísta, mundialmente conhecido por seus contos e histórias curtas. Foi um ávido leitor de enciclopédias. É considerado o maior poeta argentino de todos os tempos e é, sem dúvida, um dos mais importantes escritores da literatura mundial. "Seu texto é sempre o de uma pessoa que, reconhecendo honestamente a fragilidade e as limitações do ser humano, nos coloca diante de reflexões nas quais, com freqüência, está presente o nosso próprio destino." (Miguel A. Paladino).

terça-feira, abril 15, 2008

Briga boa

Discuto há tempos com um amigo músico sobre os limites do som digital. Discordamos muito e de certa forma não me prendi aos saudosismos do vinil. Pode haver excelente trabalho em formato digital. Talvez nossa discordância esteja em outro lugar. Veja só...

O Fim da Alta Fidelidade

Robert Levine

No auge da era do MP3, a qualidade do som fica cada vez pior

David Bendeth, produtor que trabalha com bandas como Hawthorne Heights e Paramore, sabe que os discos que faz acabam sendo ouvidos através de pequenas caixas de computador enquanto os fãs navegam na internet. Assim, ele não se surpreende quando as gravadoras pedem para que os engenheiros de masterização aumentem bastante o nível do som, de forma que até as partes mais suaves das músicas fiquem altas.

Na última década e meia, uma revolução na tecnologia de gravação mudou a forma como álbuns são produzidos, mixados e masterizados – quase sempre para pior. “Eles querem que os álbuns fiquem mais altos para conquistar a atenção [dos ouvintes]”, diz Bendeth. Os engenheiros fazem isso através da aplicação da compressão dinâmica, que reduz a diferença entre os sons mais altos e os mais suaves em uma música. Como muitos de seus colegas de profissão, Bendeth acredita que utilizar esse efeito pode obscurecer detalhes sonoros, roubar a força emocional da música e deixar os ouvintes com o que os engenheiros chamam de “fadiga auditiva”. “Acho que quase tudo hoje em dia é masterizado um pouco alto demais”, diz Bendeth. “A indústria decidiu que vivemos uma competição por volume.”

Produtores e engenheiros chamam isso de “a guerra do volume”, e ela tem mudado o som de quase todos os álbuns de rock e pop. Mas o volume não é a única questão. Programas de computador como o Pro Tools (que servem para que os engenheiros de som manipulem o som do mesmo jeito que um Word edita texto) fazem com que os músicos pareçam perfeitos, de uma forma não natural. E os ouvintes de hoje consomem uma quantidade cada vez maior de música em MP3, formato que elimina muitos dos dados existentes no arquivo original do CD e pode deixar o som metálico ou oco. “Com todas as inovações técnicas, a música ficou pior”, diz Donald Fagen, do Steely Dan, banda que produziu discos notórios pela alta qualidade sonora. “Deus está nos detalhes. Mas eles foram apagados.”

A idéia de que os engenheiros fazem álbuns com o volume mais alto parece estranha: o volume não é controlado por um botão em seu aparelho de som? Sim, mas cada movimento naquele botão comanda uma escala de volume, do vocal abafado à caixa da bateria – e arrastar o som para o alto da escala faz com que a música fique mais alta. É a mesma técnica usada para que os comerciais de TV fiquem mais alto do que os programas. E isso captura a atenção do ouvinte – mas tem um custo. No ano passado, Bob Dylan declarou à Rolling Stone que os álbuns atuais “estão cheios de sons. Não há definição de nada, nem de vocal, nada, parece tudo... estática”.

Em 2004, Mary Guibert, a mãe do músico norte-americano Jeff Buckley (falecido em 1997), escutou a fita original das gravações de Grace, o principal disco lançado por seu filho. “Estávamos ouvindo instrumentos que nunca dava para ouvir no disco lançado, como os pratos de mão ou o som das cordas da viola”, ela se lembra. “Fiquei espantada porque era exatamente aquilo o que ele tinha ouvido no estúdio.”

Para desapontamento de Guibert, a versão remasterizada de Grace, lançada em 2004, não conseguiu captar a maioria desses detalhes. Assim, no ano passado, quando organizou a coletânea So Real: Songs from Jeff Buckley, ela insistiu em ter um consultor independente para supervisionar o processo, além de um engenheiro de masterização, que iria reproduzir o som que Buckley fez no estúdio. “Agora, dá para ouvir os instrumentos distintos e o som da sala”, ela diz, sobre o novo lançamento. “A compressão borra tudo.”

A matéria está em http://www.rollingstone.com.br/materia.aspx?idItem=2234&titulo=O+Fim+da+Alta+Fidelidade&Session=Rock+%26+Roll

segunda-feira, abril 14, 2008

Liza Minnelli - Don't Smoke in Bed

Se me fosse dada a chance de deixar uma única e última mensagem a uma certa pessoa única, muito provavelmente seria isso aqui (mas interpretado por mim, o que está em andamento com o teatro e o canto).

quinta-feira, abril 10, 2008

Ainda sobre o mesmo tema...

Quando era menino, o pintor mexicano Diego Rivera entrou numa loja, numa dessas lojas antigas cheias de mágicas e surpresas, um lugar encantado para qualquer criança. Parado diante do balcão e tendo na mão apenas alguns centavos, ele examinou todo o universo contido na loja e começou a gritar, desesperado: "O que é que eu quero???"

Quem conta isso é Frida Kahlo, sua companheira por mais de 20 anos. Ela escreveu que a indecisão de Diego Rivera o acompanhou a vida toda. Então, pergunto: quem de nós sabe exatamente o que quer?

A gente sabe o que não quer: não queremos monotonia, não queremos nos endividar, não queremos perder tempo, não queremos passar em branco pela vida. Mas a pergunta inicial continua sem resposta: o que a gente quer, o que iremos escolher entre tantas coisas interessantes que nos oferece esta loja?

O que é que você quer? Medicina. Arquitetura. Música. Homeopatia. Casar. Ficar solteiro. Escrever um livro. Fazer nada o dia inteiro. Ter dois filhos. Ter nenhum. Cruzar o Brasil de carro. Entrar pra política. Tempo para ler todos os livros do mundo. Conhecer a Grécia. Morar na Grécia. Morrer dormindo. Não morrer. Aprender a tocar bateria. Desaprender tudo o que aprendeu de errado. Acupuntura. Dançar tango. Ser famoso. Sumir.

O que você quer? Filmar um curta. Operar os olhos. Abrir uma pousada. Mestrado. Emagrecer. Fazer teatro. Estudar só o que te interessa. Recuperar a amizade com seu pai. Morar na praia. Participar de um reality-show. Trocar de carro. Tomar cerveja o dia todo sem enjoar. Aprender chinês. Falar russo. Meditar. Pilotar um jato. Aprender a cozinhar. Ganhar na loteria. Largar o cigarro. Nunca mais sofrer por amor. Nunca mais.

O que você quer? Viver no meio do mato. Acelerar. Coca com gelo e limão. Trancar a faculdade. Cursar uma faculdade. Comprar uma bicicleta. Balada todo sábado. Viver de renda. Montar uma banda. Abrir um bar. Aprender a costurar. Alta na terapia. Melhorar o humor. Um tênis novo. Engenharia mecânica. Engenharia química. Um mundo justo. Cortar o cabelo. Alegrias. Chorar.

Abra a mão, menino, deixe eu ver quantos centavos você tem aí. Olha, por este preço, só uma caixinha vazia, você vai ter que imaginar o que tem dentro.

Serve.

quarta-feira, abril 09, 2008

Mais uma sobre escolhas

(...) Genética x cultura, hereditariedade x influência do meio... É um debate antigo que nunca se resolve. Por que certas pessoas "dão" para certas coisas, e outras não? Mais especificamente, por que eu sou em zero em matemática enquanto tantos à minha volta não só sabem fazer contas como gostam? Meu cérebro já nasceu decidido a rechaçar qualquer tentativa de introduzirem nele a raiz quadrada ou isso foi uma decisão minha que ele acatou? O fato é que há pessoas que querem ser dentista desde pequenas, e outras que não apenas não concebem como alguém possa ter uma vocação assim como precisam se controlar para não morder o seu dedo. Seja por influência do meio ou por compulsão genética, o fato é que a partir de uma certa idade nós todos sabemos se queremos abrir barrigas ou não. Estabelecida qual das duas raças é a nossa, podemos escolher entre as opções de cada uma. O que não impede mal-entendidos. Lembro como eu gostava daqueles problemas matemáticos com historinha, tipo "Se um trem sai de uma estação a tal hora viajando a tantos quilômetros por hora e outro sai de outra estação a tantos quilômetros de distância na mesma hora e na mesma velocidade mas o maquinista precisa passar em casa e perde cinco minutos..." ou "Se uma mãe tem três pedaços de laranja para repartir entre cinco filhos...". Cheguei a pensar que meu cérebro gostava de contas e minha vocação era para as ciências exatas, até me dar conta de que eu não gostava da matemática. Gostava das historinhas. (...)

Luis Fernando Verissimo
Zero Hora - 29/07/2007

quinta-feira, abril 03, 2008

A vida assim nos afeiçoa - Manuel Bandeira

"Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o sumo bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: - Vem!

...

E a vida vai tecendo laços,
Quase impossíveis de romper:
Tudo que amamos são pedaços
vivos de nosso próprio ser.

A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel..."